AS MULHERES DE ODISSEU: A Iliada e a Odisseia contadas pelas personagens femininas

Há aproximadamente três mil e duzentos anos, Páris, príncipe de Troia, raptou Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, dando início a uma guerra que duraria dez anos e em que os gregos sairiam vitoriosos sobre os troianos.

Odisseu (também conhecido como Ulisses), cumprindo um acordo feito entre os pretendentes à mão de Helena, participou ativamente da guerra, defendendo o direito de Menelau e sendo um dos principais heróis gregos. Seu tumultuado regresso para casa, e para sua esposa Penélope, durou outros dez miseráveis anos.

A Guerra de Troia e o retorno de Odisseu foram relatados por Homero em dois livros: A Ilíada e A Odisseia.

Em AS MULHERES DE ODISSEU, esses vinte anos são recontados por meio de monólogos das personagens femininas: Penélope (a garota exemplar, esposa fiel), Helena (a apaixonada), Atena (a sábia conselheira), as Sereias (musicais e tentadoras), Circe (a feiticeira), Calipso (a acolhedora), etc.

Este livro contém infográficos/mapas que facilitam acompanhar os lugares onde estão cada mulher que conta a história.

OPINIÃO DE LEITOR:

LEILA MÍCCOLIS, escritora de livros (poesia e prosa), de TV, teatro, cinema e drª em Teoria Literária (UFRJ):

“As Mulheres de Odisseu — A Ilíada e a Odisseia contadas pelas personagens femininas” é, no mínimo, um texto instigante, em que a mitologia aparece sob o ponto de vista das mães, esposas, amantes, sereias, magas, escravas, feiticeiras, princesas, ou seja, de todas as participantes que estiveram presentes na trajetória do herói, em seu percurso Ítaca – Troia – Ítaca.

Até agora, um único livro de ficção sobre o assunto tinha me entusiasmado: “O Incêndio de Troia”, da Marion Zimmer Bradley, em que os personagens míticos parecem ganhar vida concreta e em que uma outra versão é narrada — a da própria Helena, além de outras mulheres cujas imagens contraditórias levaram-nas a ser consideradas vilãs, traiçoeiras, frias, calculistas, volúveis, ardilosas, e/ou inconsequentes. No entanto agora, depois da leitura deste interesantíssimo épico, minha lista duplicou.

Não estou querendo, porém, comparar as duas obras, escritas inclusive em formatos diferentes: a de Bradley é um romance, a de Loureiro Jr. é uma narrativa desenvolvida através de monólogos — o que já de início denota o fôlego do autor —, cujo personagem principal, muito significativamente, não aparece em nenhum momento, embora em torno dele gravitem todas as demais figuras dramáticas. É através delas que passamos a conhecer as outras faces (menos públicas) de Odisseu; são as frágeis vozes femininas, quase sempre coadjuvantes, relegadas e abandonadas como as suas donas, que ecoam por terra e mar, sobrepujando o possante vozerio do vencedor.

Um relato lírico, que muitas vezes se transforma em prosa poética, tamanho o grau de intensidade da musicalidade do texto, ou mesmo em poesia (na parte relativa às sereias, o autor rompe ostensivamente com a narração linear, como se indagasse: — Onde já se viu um canto em prosa, mesmo de sereias?). O sedutor (e fatal) convite de Leucósia, Partênope e Lígia é feito por meio de versos em branco, agrupados em tercetos de seis e sete sílabas, ritmo que lembra o vaivém do mar, associado ao ir e vir do próprio Odisseu.

Merece também destaque o perfil de cada uma das personagens caracterizadas minuciosamente com grande sensibilidade: são impressionantes os matizes e as nuances emocionais expressadas por elas em suas tristezas, carências, ousadias, queixas e recriminações, principalmente e acima de tudo pelo fato de terem sido escritas/descritas por um homem. Ele não fala como se fosse uma só mulher, mas muitas, várias delas, com seus conflitos próprios e individuais nitidamente delineados. Neste caso específico, a autoria faz toda a diferença. E é principalmente por este viés que “As Mulheres de Odisseu” mais me surpreendeu e me emocionou.